Não há um “guião” ou “livro de instruções” para seguir, não há a certeza de que estamos a fazer “o certo”

Alexandra Teixeira, da AMPLOS – a associação que apoia familiares de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans.

No passado dia 28 de junho, assinalou-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Alexandra Teixeira salienta que importante é dar apoio aos jovens e às famílias que passam por esta transformação. Isto numa altura em que cresce o número de crianças e jovens que não se reconhecem no sexo com que nasceram.

My Zen Life - A AMPLOS surgiu em 2009. Como define a associação? Em que princípios de baseia e quais as principais valências?

Alexandra Teixeira - A AMPLOS - Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género é uma associação, sem fins lucrativos, que integra familiares de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans. Tem como missão primordial lutar pela igualdade e reconhecimento social das pessoas LGBTQIA+.

Temos vindo a desenvolver a nossa atividade essencialmente em três vertentes: o apoio direto às famílias, a sensibilização, informação e formação sobre as diferentes questões que envolvem esta vivência e o contributo ativo no desenho e implementação de legislação e políticas públicas adequadas às necessidades desta população.

MZL - E como se efetiva essa ação e concretização?

AT - São desenvolvidas atividades como, por exemplo, encontros periódicos entre famílias (mais alargados ou mais reduzidos) para partilha de experiências, disponibilização de consultas de apoio psicológico individual dirigidas às famílias que são asseguradas por uma psicóloga especialista nesta área.

A participação em sessões de informação ou sensibilização sobre as questões LGBTQIA+, com particular incidência nas questões sobre trans, organizadas por diferentes entidades (escolas, hospitais, centros de saúde, autarquias, associações de estudantes, etc.) a publicação de guias informativos (dirigidos quer às famílias quer a outros intervenientes na ação comunitária e na comunidade escolar) e também a realização de sessões de formação estruturada, que são asseguradas pela psicóloga que trabalhada connosco, dirigida essencialmente a potenciais atores promotores de alteração de comportamentos, ou seja, profissionais das áreas da saúde, educação, ação social, entre muitos outros.

MZL - O lado político também não é esquecido?

AT - No campo da intervenção de cariz mais político, assinalo a participação da AMPLOS no Grupo de Acompanhamento da Implementação da Estratégia de Saúde para as Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI), coordenado pelo Ministério da Saúde.

MZL - Como tem sido este caminho? O número de pedido de ajuda de famílias que tem chegado à AMPLOS tem aumentado?

AT - Se tiver de resumir numa palavra: aprendizagem!

Nos últimos anos a AMPLOS tem vindo a assistir a uma procura crescente por parte das famílias e, se no início da nossa existência eram quase exclusivamente as famílias de pessoas lésbicas e gays que nos procuravam, ao longo da última década tem-se vindo a verificar que as famílias que chegam a nós são, na esmagadora maioria, famílias de pessoas trans e, mais recentemente, também de pessoas não-binárias. Esta evolução parece relacionar -se com a crescente visibilidade social sobre a vivência destas pessoas, das suas dificuldades e desafios, à qual não pode ser alheia o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelas associações que representam estas pessoas e que permitem dar voz, em primeira mão, a quem vive esta realidade.

Neste sentido, o papel da AMPLOS é essencialmente o de apoiar e dar voz aos que devem ser os aliados mais próximos: as famílias.

MZL - Como é ser pai ou mãe de um filho ou filha homossexual ou trans, em Portugal?

AT - Ser mãe ou pai é, por definição, passar a viver num mundo novo de fragilidades que nos irão acompanhar até ao final das nossas vidas.

MZL - Quais as maiores dúvidas e que tipos de pedido vos chegam por parte dos pais? E como os ultrapassar?

AT - Não há um “guião” ou “livro de instruções” para seguir, não há a certeza de que estamos a fazer “o certo” e, não raras vezes, há demasiadas opiniões e conselhos sobre o que devemos ou não fazer.

Ser mãe ou pai de uma pessoa LGBTQIA+ é tudo isto com muitas doses suplementares de medo sobre o que devo fazer e como é que “os outros” vão lidar com os nossos filhos/as/es (“e se lhe fazem mal?...”). No caso em concreto das pessoas trans, há todo um conjunto de desafios sobre os quais vamos ter de aprender a lidar. Existem muitos momentos em que se vai exigir destas famílias que sejam “gestores de procedimentos administrativos” normalmente relacionados com a alteração do nome, “especialistas em procurar soluções médicas” (onde estão os especialistas desta área, como funcionam as hormonas) ou ainda “formadores de professores e pessoal não-docente” nas escolas, entre outros. Para as famílias conseguirem ultrapassar todas as dificuldades que vão ter de enfrentar têm muito para conhecer e aprender, precisam muitas vezes de serem orientadas sobre como fazer e, acima de tudo, precisam de perceber que não estão sozinhos. É aqui que a AMPLOS pode fazer a diferença com o trabalho que desenvolve.

MZL - Partindo da experiência da AMPLOS no terreno, relatos de pais que negam ou não aceitam as escolhas dos filhos pela alegada orientação sexual ou filhos LGBT ainda é usual? Se sim, o que fazer para mudar este panorama?

AT - Sim, ainda existem famílias que rejeitam a realidade dos seus filhos. É importante continuar a trazer conhecimento e reflexão à sociedade em geral sobre orientação sexual e identidade de género para que as famílias compreendam que são situações de existência tão válidas como outras. Dito de uma maneira mais simples: precisamos de continuar a dar visibilidade a estas situações para que se perceba que existem e é absolutamente normal que existam. Não é uma moda. Sempre existiram. Mas infelizmente nem sempre os códigos morais dominantes permitiram a estas pessoas uma vivência de pleno direito (e em muitos locais do mundo ainda assim acontece).

MZL - O que pode a AMPLOS fazer pelos pais e pelos filhos LGBT que ainda não se sentem à vontade para abordar o tema da orientação sexual e identidade de género?

AT - A AMPLOS, através do seu trabalho direto de apoio aos pais e também através da divulgação sobre estes temas (através da publicação de guias, da participação em eventos, etc.) procura contribuir para que as famílias percebam que não estão sós. E isso é um primeiro passo muito importante para que procurem ajuda para depois poder apoiar os seus filhos/as/es

MZL - Qual o papel das escolas na inclusão de crianças e jovens trans?

AT - Como em muitas outras situações, a escola é fundamental na integração destas crianças e jovens, onde passam uma grande parte do seu quotidiano e onde estabelecem os seus laços afetivos para além de família. Por este motivo é fundamental trabalhar com as direções dos agrupamentos, com o pessoal docente e não docente para que também eles tenham a informação e formação necessárias e adequadas que favoreçam a melhor integração possível. A este propósito posso referir que, felizmente, tem vindo a ser cada vez menor o número de queixas que nos vão chegando, mas infelizmente ainda existem algumas escolas onde a própria direção ou um ou outro professor acabam por ser causadores de problemas, em particular no que respeita às crianças e jovens trans, essencialmente por causa da utilização do nome escolhido pelos próprios.

MZL - E quando os conflitos ultrapassam o âmbito de trabalho da AMPLOS, onde podem filhos, pais e educadores recorrer?

AT - O papel da AMPLOS é essencialmente apoiar e informar. Quando surgem situações em que é necessário um tipo de intervenção que ultrapassa a nossa possibilidade de atuação procuramos orientar para outras respostas. No caso concreto das pessoas trans direcionamos as famílias, por exemplo, para unidades de saúde ou médicos especialistas ou, quando se trata de assuntos de natureza mais administrativa (por exemplo a mudança de nome), prestamos esclarecimentos sobre onde se devem dirigir e como devem fazer o processo.

MZL - Parte da sociedade está em evolução e outra parte tenta contrariar. Como analisa esta situação? Direitos Humanos, ainda há muito por fazer. Quais as vossas principais “lutas”?

AT - Julgo que o crescimento de um discurso homofóbico e transfóbico é uma realidade que deve ser analisada no âmbito mais alargado do crescimento de movimentos populistas, um pouco por todo o mundo, que utilizam o radicalismo discursivo como a única forma de afirmação, por contraponto a uma ausência de factualidade ou verdade no seu conteúdo.

Importa perceber como desmontar esse discurso, essencialmente desmascarando os seus falsos pressupostos e percebendo o porquê da adesão por parte de algumas pessoas, muitas vezes mobilizadas pela insatisfação de âmbito económico e pelo sentimento de incerteza e medo face ao futuro. Neste aspeto, não só as instituições públicas – o Estado – mas também os meios de comunicação social, através dos meios de comunicação mais tradicionais ou das redes sociais podem desempenhar um papel fundamental.

A defesa dos Direitos Humanos é uma tarefa sempre inacabada e que deve ser da responsabilidade de cada um de nós. A AMPLOS continuará sempre o seu trabalho para que o direito a existir como se é seja uma realidade para todos/as/es. Para isso continuaremos a posicionar-nos do lado do apoio às famílias e da divulgação do conhecimento concreto e da reflexão aprofundada. Em suma, iremos sempre praticar algo muito simples: empatia!

DESTAQUES:

“O papel da AMPLOS é apoiar e dar voz aos que devem ser os aliados mais próximos: as famílias.”

“Ser mãe ou pai é, por definição, passar a viver num mundo novo de fragilidades que nos irão acompanhar até ao final das nossas vidas. “

“Tudo se torna fácil quando percebemos a diferença que podemos fazer na vida de outros que estão a viver momentos de angústia que também já sentimos.”

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